Testes de Stress em RAID: Como Simular Falhas e Validar Redundância Real

      19 de dezembro de 2025 Marta G. Oliveira 8 min de leitura
      Testes de Stress em RAID: Como Simular Falhas e Validar Redundância Real

      Não espere a produção cair. Aprenda a executar testes de stress em RAID, simular falhas de disco sob carga (fio/mdadm) e medir o impacto real na latência durante o rebuild.

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      A maioria dos administradores valida um array RAID da maneira errada: eles montam o servidor, deixam-no ocioso, puxam um disco físico e observam se o LED pisca. Se o sistema operacional continua de pé, eles declaram "sucesso" e vão para casa.

      Isso não é um teste; é teatro.

      No mundo real, discos raramente falham quando o sistema está dormindo. Eles falham sob carga máxima, durante um backup noturno ou no pico de acessos do banco de dados. Um teste de redundância sem carga de I/O (Input/Output) concomitante ignora completamente o impacto devastador da latência durante a reconstrução.

      Este artigo trata da metodologia científica para validar se o seu storage aguenta o pior dia da vida dele, não o melhor.

      O que é um Teste de Stress em RAID?

      Testes de Stress em RAID são simulações controladas onde falhas de hardware (injeção de erros ou remoção de discos) são provocadas enquanto o subsistema de armazenamento está sob carga de trabalho intensa (saturação de IOPS e Throughput). O objetivo não é apenas verificar a integridade dos dados, mas medir a degradação de performance (latência) e o tempo real de reconstrução (rebuild/resilver) para garantir que a aplicação continue operável durante o desastre.


      A Falácia da Redundância "Segura" e o Custo do Rebuild

      A redundância (seja RAID via hardware, mdadm ou ZFS) promete disponibilidade, mas não promete performance constante. Quando um disco falha, o array entra em "modo degradado". Se você utiliza paridade (RAID 5, 6, RAIDZ), a CPU e os discos restantes precisam calcular os dados faltantes em tempo real para cada leitura.

      Quando a reconstrução (rebuild ou resilver) começa, o problema se agrava. O sistema tenta ler todo o conteúdo dos discos sobreviventes para escrever no novo disco.

      O Efeito Liquidificador: Como o IO de Reconstrução compete com a Aplicação, gerando latência. Figura: O Efeito Liquidificador: Como o IO de Reconstrução compete com a Aplicação, gerando latência.

      Se o seu storage já opera a 70% da capacidade de IOPS em produção, a carga adicional do rebuild vai saturar o barramento. O resultado não é perda de dados, é latência infinita. Para a aplicação na ponta (um ERP ou um site), uma resposta que demora 30 segundos é indistinguível de um servidor travado.


      O Arsenal de Teste: Configurando FIO para Carga e Falhas Controladas

      Para um teste científico, precisamos de reprodutibilidade. Não confie em cópias de arquivos manuais. Usaremos o FIO (Flexible I/O Tester) para gerar uma carga consistente e mensurável.

      1. Definindo a Carga de Trabalho (Workload)

      Antes de quebrar o array, você precisa simular a vida real. Um banco de dados transacional, por exemplo, faz muita leitura e escrita aleatória (Random R/W) em blocos pequenos (4k ou 8k).

      Crie um arquivo de trabalho stress-raid.fio:

      [global]
      ioengine=libaio    # Engine assíncrona padrão para Linux
      direct=1           # Ignora o cache de RAM (teste de disco real)
      bs=4k              # Tamanho do bloco (simula DB)
      rw=randrw          # Leitura e escrita aleatória
      rwmixread=70       # 70% leitura, 30% escrita
      iodepth=32         # Fila de comandos para saturar o disco
      time_based=1
      runtime=3600       # Executa por 1 hora
      group_reporting=1
      
      [job1]
      filename=/mnt/meu_raid/arquivo_teste.dat
      size=50G           # Tamanho do arquivo de teste
      numjobs=4          # Número de threads concorrentes
      

      2. A Ferramenta de Caos

      Não puxe o disco físico imediatamente. O Linux pode reagir de forma imprevisível a remoções a quente se o controlador não for perfeito. Para validar a lógica do RAID primeiro, use comandos de falha de software.

      • Para mdadm: mdadm --manage /dev/md0 --fail /dev/sdX

      • Para ZFS: zpool offline -t poolname diskname (O flag -t simula uma falha temporária, ideal para testes).


      Executando o Teste de Stress sob Saturação de IOPS

      A metodologia correta segue três fases distintas. Pular qualquer uma invalida os dados coletados.

      Fase 1: Precondicionamento e Baseline

      Execute o FIO com o array saudável. Anote três números vitais:

      1. IOPS Médio: Quantas operações por segundo o array entrega?

      2. Latência p99: Qual o tempo máximo de resposta para 99% das requisições?

      3. Throughput: Quantos MB/s sustentados?

      Se sua latência p99 já estiver alta (acima de 20ms para SSDs ou 100ms para HDDs) sem falhas, seu projeto de storage já falhou antes mesmo de começar.

      Fase 2: Injeção de Falha sob Carga

      Com o FIO rodando em um terminal (gerando carga), provoque a falha em outro terminal.

      # Exemplo em ZFS: Simulando morte do disco sdb
      zpool offline tank /dev/sdb
      

      O que observar imediatamente: Monitore a saída do FIO. Você verá uma queda abrupta nos IOPS e um pico na latência. Se a latência saltar de 5ms para 500ms, sua aplicação provavelmente sofrerá timeouts.

      Fase 3: O Rebuild Competitivo

      Adicione um disco de reposição (ou traga o antigo de volta) para iniciar a reconstrução enquanto o FIO continua rodando.

      # Exemplo ZFS: Trazendo o disco de volta e iniciando resilver
      zpool online tank /dev/sdb
      

      Aqui reside a verdade sobre seu storage. O controlador precisa decidir o que é prioridade: atender o FIO (sua "aplicação") ou reconstruir a redundância.

      Comparativo de Tempo de Rebuild: Sistema Ocioso vs. Sistema sob Stress (Simulação FIO). Figura: Comparativo de Tempo de Rebuild: Sistema Ocioso vs. Sistema sob Stress (Simulação FIO).

      Aviso de Performance: Muitos controladores RAID de hardware priorizam o rebuild agressivamente, tornando o volume inutilizável até o fim do processo. No Linux (mdadm/ZFS), você pode ajustar essa prioridade (/proc/sys/dev/raid/speed_limit_min ou zfs_resilver_delay), mas isso prolonga o tempo em que você está vulnerável a uma segunda falha.


      Métricas de Sobrevivência: O Que Monitorar

      Durante o teste, esqueça o "load average" da CPU. Foque no que importa para o armazenamento.

      Tabela Comparativa de Impacto no Rebuild

      Tecnologia / Nível Impacto na CPU Impacto na Latência de Leitura Risco durante Rebuild
      RAID 1 / 10 Baixo Baixo. Apenas cópia de blocos. Baixo. Cópia rápida.
      RAID 5 / RAIDZ1 Médio Alto. Cálculo de XOR necessário para cada bloco lido se houver degradação. Médio. Leitura intensiva nos discos restantes.
      RAID 6 / RAIDZ2 Alto Muito Alto. Duplo cálculo de paridade. Baixo risco de perda de dados, mas risco alto de timeout da aplicação.
      ZFS dRAID Médio Médio. Rebuild distribuído usa largura de banda de todos os discos. Mínimo. Tempo de rebuild drasticamente reduzido.

      A Métrica Oculta: URE (Unrecoverable Read Error)

      A métrica mais assustadora não é a velocidade, é a integridade. Discos SATA domésticos tipicamente têm uma taxa de erro de leitura não recuperável de 1 bit a cada $10^{14}$ bits lidos (aprox. 12TB).

      Ao reconstruir um RAID 5 de 40TB, a probabilidade matemática de encontrar um erro de leitura em um dos discos "saudáveis" é estatisticamente alta. Se isso acontecer durante o rebuild:

      1. RAID Hardware antigo: O rebuild falha e o array é desmontado. Perda total.

      2. ZFS: Ele marca aquele arquivo como corrompido, mas continua o rebuild do resto.


      Simulando o Pior Cenário: Checklist de Validação

      Seu storage só está pronto para produção se passar por este checklist agressivo.

      1. Teste de Saturação: O FIO rodou por 2 horas sem erros de I/O no log do kernel (dmesg)?

      2. Teste de Latência Degradada: Durante a falha de um disco, a latência p99 permaneceu abaixo do timeout da sua aplicação (ex: 30s para web, 5s para DB)?

      3. Teste de Rebuild sob Carga: O tempo de reconstrução estimado (ETA) é aceitável?

        • Cálculo: Se o rebuild demora 24h sob carga, você aceita correr o risco de uma segunda falha durante um dia inteiro?
      4. Scrubbing de Validação: Após o rebuild terminar e o teste de stress parar, execute uma verificação de integridade completa (zpool scrub ou echo check > /sys/block/md0/md/sync_action). Todos os checksums bateram?

      Veredito Técnico Pragmática

      Não confie nas especificações da caixa do controlador RAID. A única verdade está nos logs gerados sob stress. Se você não testar a falha, o universo testará por você em uma sexta-feira à noite — e o universo não se importa com seus SLAs.


      Referências & Leitura Complementar

      • RFC 3552 - Guidelines for Writing RFC Text on Security Considerations (Aplicável a integridade de dados).

      • Gregg, Brendan. Systems Performance: Enterprise and the Cloud. (Capítulo sobre Disk I/O).

      • Manpages: man fio, man mdadm, man zpool-offline.

      • BAARF (Battle Against Any Raid Five) - Artigos históricos sobre os perigos matemáticos do RAID 5 em discos modernos de alta capacidade.

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      Marta G. Oliveira

      Marta G. Oliveira

      DevOps Engineer & Storage Nerd

      Automatiza provisionamento de storage com Terraform e Ansible. Defensora do 'Infrastructure as Code' para storage.